sábado, 24 de março de 2012

Vivendo sua vida w/ 689 others


Numa conversa essa semana, descobri que uma amiga tirou nada menos que 4 mil fotos do Vaticano quando esteve lá. Quatro mil! Precisava? É pra decorar cada detalhe do lugar ou é pra voltar pro Brasil e mostrar cada detalhe pros que não foram. A experiência tem que ser validada pelos outros?

Acho que qualquer resposta merece atenção: se em uma viagem você para a cada segundo para uma foto, deixa de experimentar aquele lugar de verdade. E abastecer seu Facebook com todas as fotos mostra que você ou é muito narcisista ou que quer que sua vida online represente com fidelidade a sua vida real. E isso não precisa acontecer.

O caso das fotos no Vaticano parece exagerado (e é mesmo), mas todo mundo faz isso o dia todo: porque raios as pessoas compartilham nas redes sociais o restaurante onde estão, a comida que cozinham, quantos quilômetros correram? Porque existem tantos sites para você marcar os filmes e seriados que viu, os livros que leu, shows que foi, músicas que ouviu? Acho que um dos motivos é falta de assunto mesmo: a agonia de ver todo mundo “postando alguma coisa” e a pessoa sem nada pra dizer. Outro motivo, ao meu ver, é porque a experiência se perdeu. Para muitas pessoas hoje, fazer algo só por fazer e só para elas mesmas não é suficiente; elas precisam divulgar, todo mundo precisa saber o que ela gosta de fazer. Como se espalhar por aí que você está se divertindo garantisse que você está se divertindo mais...

Ao mesmo tempo que eu compreendo (divulgar que você viu e gostou de certo filme te coloca dentro de um grupo), acho isso bem triste. A espontaneidade está ficando igual - algo que é contra o próprio conceito de espontaneidade. E acompanhar a vida online de alguém ainda está bem longe de conhecê-la de verdade – mesmo que seja de alguém que tente muito colocar sua rotina inteira dentro da web.

Resultado: fica tudo no meio da caminho. Por exemplo: você vai no aniversário de um amigo, metade das pessoas você conhece, a outra metade nunca te deu um “oi”, mas já tem uma opinião sobre você (aliás, o que as pessoas mais têm nos dias de hoje é opinião formada sem conhecimento). O ponto de partida da relação já está todo bagunçado; não existem surpresas nos assuntos primários, que deviam despertar interesse, e não há interesse nos assuntos surpresas.

Outros exemplos: perceber um erro de português absurdo vindo de uma pessoa que fala o tempo inteiro dos milhões de livros que leu. Ou encontrar pessoalmente com alguém que twitta todos os dias que vai à academia e ver que a pessoa não emagreceu nada. O oversharing das redes coloca esse tipo de lupa julgadora nas pessoas – e o pior é que são elas que colocam essa lupa na própria cabeça.

Já falei disso em um texto anterior: à medida que a tecnologia se torna mais onipresente, nossa relação com ela se torna mais íntima, conferindo-lhe poder de influenciar decisões, humores e emoções. Mas é só se a gente deixar! Suas redes sociais não precisam ser um reflexo fiel da sua vida real o tempo todo, listando o que você faz ou onde está e com quem. Meu celular tem tecnologia pra entrar na internet e eu me conecto quando quero, sabe? Mas não sincronizo meu Twitter, meu Facebook nem meu e-mail com ele. Nenhuma janelinha vai pular dele enquanto eu estiver almoçando, no cinema ou dormindo. Eu escolhi que eu é que vou lá ver o que está acontecendo quando eu quiser – afinal, o celular está lá para me servir, não o contrário. Perceber isso faz muita diferença.

Um bom exercício em qualquer situação é aquele joguinho infantil dos “porquês”. Cheguei num restaurante com um amigo, mal tinha me sentado e ele pegou o celular dizendo “Já vou dar check-in!”. Eu perguntei porque, ele respondeu e perguntei mais umas vezes. No final das contas, ele não tinha motivo algum pra dar check-in ali. Não queria convidar ninguém ir pra lá também, não ia escrever uma crítica sobre o restaurante (esse é o propósito do Foursquare, não é?), nem queria se mostrar fodão (o lugar não era chique, nem caro, nem nada). Ele pareceu meio perdido, percebeu que fazia parte de um “rebanho socio-tecnológico” dos que fazem algo pois os outros também fazem, sem refletir sobre aquilo. O mesmo jogo serve pra ser feito antes de cada upload de foto, cada status novo. Que objetivo você quer alcançar tornando pública aquela informação pessoal sua?

Passou da hora de muita gente por aí amadurecer nesse sentido, saber separar as coisas. É uma campanha que pode parecer antiquada, mas poxa. Você está vivendo sua vida para você ou para os outros?